"Em Agosto, que é esta merda de mês que acabou agora mesmo, descobrimos que a minha mulher tem um cancro na mama. Nós “descobrimos”: mas ela é que tem. Nem é tão simples: às vezes não foi ela que descobriu e sou só eu é que tenho. Tenho tentado escrever sobre tudo menos isso. Mas é sempre sobre o cancro dela que eu escrevo. Parece que é sobre uma praia mas a praia, em Novembro, já não é a mesma que em Agosto. Parece que é sobre uma uva mas a uva muda e o vinho é o que fica dessa mudança.
Tenho medo. O medo não é nada amigo de quem escreve.
Tenho medo. O medo não é nada amigo de quem escreve.
Então quando faz medo de escrever certas coisas que fazem medo. Ou podem dar azar. Mas depois pensei assim: qual é a coisa que eu faço? Qual é a coisa para a qual tenho mais jeito?
A falar, sou uma miséria. Atropelo-me de tantas ideias contrárias; cada uma a ver se pega; a esganar-se a ver se fisga o ângulo por onde hei-de entrar.
Eu sei que a minha tristeza se nota. Que o amor pela minha mulher se nota mais ainda. E que isto são coisas chatas para quem passa o dia a trabalhar em coisas chatas e abre um jornal para se distrair.
Peço desculpa. Mas hoje tinha de ser. A Maria João deu-me licença. E eu abusei logo. Todos nós temos um problema que nos foge e vai matar. Todos nós fingimos que não é bem assim.
Mas é bem assim. E eu hoje tive de desabafar, por ter sido, nos últimos tempos, tão mentiroso e tão cobarde.
A verdade é sempre o melhor remédio. Dizem. Daqui para a frente vai ser pior.
Miguel Esteves Cardoso no Público
Eu sei que a minha tristeza se nota. Que o amor pela minha mulher se nota mais ainda. E que isto são coisas chatas para quem passa o dia a trabalhar em coisas chatas e abre um jornal para se distrair.
Peço desculpa. Mas hoje tinha de ser. A Maria João deu-me licença. E eu abusei logo. Todos nós temos um problema que nos foge e vai matar. Todos nós fingimos que não é bem assim.
Mas é bem assim. E eu hoje tive de desabafar, por ter sido, nos últimos tempos, tão mentiroso e tão cobarde.
A verdade é sempre o melhor remédio. Dizem. Daqui para a frente vai ser pior.
Miguel Esteves Cardoso no Público
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